quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Retalhos de uma vida (retalho VI: Acabou.)


Surgiu do nada, ela nem sequer a viu, ouviu-a primeiro a estalar no rosto perto do ouvido, seguiu-se-lhe uma dor excruciante que lhe atingia o ouvido, parte da vista e a alma. - E agora vais viver de quê, sua estúpida? – Berrou o Artur a arder de raiva quando a mulher lhe contou o que se passou de manhã na tecelagem.- Porra, e querias o quê? Que o deixasse fazer o que ele queria? Que lhe abrisse as pernas? – Mal acaba de falar o Artur desferiu-lhe um pontapé numa anca projectando-a no chão. - A culpa é toda tua, tua e das putas das tuas colegas, andais com aquelas batas em que se vê tudo e depois os homens ficam doidos, é uma questão de tempo até que um perca a cabeça. Esperais o quê? Um homem não é de ferro. – Mas Odete já não o ouvia, tentava pôr-se de pé, agarrou-se ao pé da mesa da cozinha, e á força de braços conseguiu-se levantar. Já de pé endireitou as costas ignorando a dor, procurou no fundo de si mesma todo o seu amor-próprio, quando o olhou nos olhos era a mesma Odete que tinha fitado o céu Azul que podia ser verde tal a esperança que lhe projecta. - Tu nunca mais me ponhas as mãos que eu sou capaz de te matar – pronunciou numa voz que até a ela surpreendeu. Qualquer coisa na voz dela dizia ao Artur que o que acabara de ouvir era verdade, que ela seria capaz disso. - Sois todas umas putas… - vociferou e apressou-se porta fora, entes de sair virou-se e berrou- Trata de arranjar emprego até ao final da semana, não penses que te vou manter que esse tempo já acabou.“Esse tempo já acabou”, a frase ficou a ecoar no cérebro de Odete. Acabou sim, pensava ela enquanto se ensaboava debaixo do chuveiro, acabou o tempo de ser maltratada, espezinhada, humilhada. Acabou.

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