quarta-feira, 27 de maio de 2009

Aquele amor de verão


Naquele verão em que te conheci
Na praia ventosa e desmaiada
Aos pés da serra que se escondia
Da tua bela figura apetecida

Encoberta pelo nevoeiro da manhã
Espreitava entre as nuvens lá no alto
Meu olhar envergonhado e tímido
Meu coração em sobressalto

Deixavas as pegadas na areia
Leve como a brisa que cheirava
Contentava-me tão só em beijar
O chão que o teu pé pisava

Olhava as ondas que desfaleciam
Na praia, nesse terno verão
Sentia-me essa vaga compassada
Maré cheia da minha paixão.

À noite junto ao velho barco
Com a lua como testemunha
Contava as estrelas, com os beijos
Que a tua boca na minha punha

Vejo ainda em contra luz
Na madrugada rarefeita,
Do teu corpo entrelaçado
No meu, em felicidade perfeita.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Dia europeu do(a) vizinho(a)


Eu estou admirado, então onde estão aqueles que acorrem a lembrar-nos dos dias temáticos? É o dia dos namorados já andam uma semana antes a poluir o site com poemas inflamados dedicados aquela (e) a quem andam a fazer olhos de carneiro mal morto. Vem a Páscoa então…é um autêntico lixo virtual. E no natal? Lembram-se todos de ser bonzinhos, é paz e amor para aqui, menino nas palhinhas para ali… prolongam aquilo ao máximo do desespero e da paciência. Já para não falar daquelas coisas de cortes de energia, de andarmos todos de bicicleta, essas então moem-me o juízo. E então hoje? Ninguém diz nada? Pois é… hoje é o dia europeu do vizinho. Por isso a besta do meu vizinho do 2º direito hoje me cumprimentou no elevador. Eu resmunguei-lhe uma resposta á laia de cumprimento, uma forma de o mandar para o raio que o parta em surdina. Pois, tem que ser em surdina que o gajo é um autêntico armário. Mas agora percebi a insistência da vizinha do quinto esquerdo numa visita minha logo á noite que o marido está deslocado para as obras de um qualquer centro comercial lá para os lados de Lisboa (que aquela gente só quer centros comerciais). Tenho para mim que me vai obsequiar com um dia dos namorados antecipado em jeito de celebração por tão bonito dia. Por isso hoje decidi ser simpático com os vizinhos, não escarrar na entrada do anormal do 6º direito que estende a roupa por cima da minha. Não dizer á velha esclerosada do 4º frente o quanto me irritam os gatos dela e o chilrear dos periquitos que põe na varanda. Não riscar o carro do paspalho do R/C que gosta de o estacionar debaixo daquela árvore que dá sombra á qual tenho direito porque vivo lá há mais tempo. Hoje, mas só hoje e por ser o dia que é, não vou dizer aos meus fedelhos para mijarem da varanda para o terraço do abstunto do r/c que se me adiantou na compra do apartamento perdendo eu a oportunidade de ter uma churrasqueira no apartamento, além de que um terraço dá sempre jeito para esticar uma rede e bater umas sornas á tarde. Hoje se partir o retrovisor do gajo que tem lugar de garagem ao lado do meu, vou tentar pô-lo direito e aí sim, se não conseguir não ficarei com problemas de consciência por não lhe deixar um bilhete a avisar. E para celebrar até estou a pensar em fazer-me convidado para comer uma fatia de bolo no fim do trabalho na casa do bigodes do 3º dir. e depois para fechar o dia em beleza vou fazer a visita á tal vizinha, coitada que se deve sentir tão só… Só espero que tenha feito a depilação.
Eu sou um vizinho fantástico…

domingo, 24 de maio de 2009

Ser pobre um dia...


O João da Nora trabalha no campo
Rompe a pele em cabo de enxada
Trabalha também na fábrica
Rompe os pulmões até de madrugada

Respira a bosta de boi durante o dia
O amoníaco ácido durante a noite
Que lhe queima os pulmões e o cérebro
A jorna acaba dorida como um açoite

Leva na lancheira o pão e a tristeza
Por todos os poros arrota desgraças
Já não é novo, ele sabe-o e sente-o
Roga ao Senhor, lhe traga novas graças

E não pede muito o João, velho
Embora de idade seja novo
Pede o direito á diferença
Entre os velhos deste povo

Fecha os olhos ajoelhado ao Altar
E pede a graça de ser pobre um dia
Para que assim não o seja todos os dias
Que lhe renove uma vida sem agonia

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Oh Danny Boy over the green fields of our beloved Ireland


Ès Celta Danny Boy
Vens lá dos confins da história
Orgulhoso dos verdes campos
Da tua Irlanda pátria e glória.

Levanta a cabeça Danny Boy
Não cai sobre ti a vergonha
Continua a tua marcha de orgulho
Mostra-nos a tua face risonha

Menino pobre acolhido
Pela igreja que te traiu
Escravo, te fizeram e possuíram
Na casa que te instituiu

Ergue-te Danny Boy
Que não é tua a peçonha
Tua, são os verdes da Irlanda
Que verguem eles a feia carantonha

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Poema a um Mulherão


Avó Maria, baixinha e anafada
Carrega o neto pela escada
Com cuidado o mergulha na tina
Para um banho em água temperada

Já adulto e sem tino nem razão
O neto só abana as mãos e a cabeça
Em jeito de agradecimento
Esperando que o passeio aconteça

Já lavado e perfumado
Coloca-o a peso na cadeira
E vai apanhar o catorze
Que pára na pasteleira

Carrega-o no autocarro
Perante o olhar indiferente
Do motorista e do passageiro
Adulto imbecil e velha indigente

Sai a avó Maria do catorze
Apanha o metro para o hospital
Em dia de tratamento físico
Para seu neto doente mental

Abandonado pela mãe
Esquecido pelo pai, seu filho
Que a abandonou também
E a deixou neste andarilho

“Porque não o interna aqui?”
Pergunta-lhe o médico no hospital
“E quem me ensinaria a amar?”
Pergunta a avó em ar normal

terça-feira, 19 de maio de 2009

O amor da minha vida


Vou-te continuar a seguir
Ainda que me digam e berrem
Que não tenho razão
Quero-te antes que os olhos se cerrem

A razão com que te sigo
Está na força do meu querer
No chão que piso e calcorreio
No horizonte de vista a perder

Mas não perco a vontade
Nem sequer na corrida o norte
Busco-te em demandas loucas
Quero-te antes da minha morte

E se não te encontrar
Quero nessa busca morrer
Que de mim se diga que morri
Na tentativa de te conhecer

Mesmo que não te veja
Quero a tua face beijar
No leito de esperança em que vivo
Quero que nua e rara me venhas abraçar

Envolve-me o teu longo e doce abraço
Leva-me nos firmamentos em que navegas
Utopia amada, como te quero e amo
Utopia, nunca cansas dos sonhos que carregas

sexta-feira, 15 de maio de 2009

essa palavra, liberdade


Surge-nos a ilha assim de momento
Banhada por intolerância a poente
Causa-nos estranheza que resista
Ás vagas da inquisição a nascente

Libertou-se da gravata e do laço
Maculou o alvo colarinho
Verberou o ímpio maldizente
Mostrou afilado o feio focinho

Lançou sobre ela a matilha
De raivosos e de ira lançados
Sobre ela que é tua e minha
Os cães, rafeiros de toga trajados

Mas a palavra não se deixa vencer
Vive mesmo quando fala de morte
É ilha altaneira cume de rocha
Que as vagas e outro tipo de sorte

Ainda que monstruosas e diletantes
É essa soma que escreve verdade
É por um simples conjunto de letras
Que se escreve palavra e liberdade

quarta-feira, 13 de maio de 2009

A sina da minha aldeia


Do alto da serra o vento espreita
A neblina clara e fria mais abaixo
Vislumbra telhados fugazes
Na povoação que se esconde debaixo

Pequena aldeia empedrada
De paciência e suor construída
Teimosa, rompe os ventos
E a tempestade empedernida

Em dias de sol e flores de estio
Espreguiça-se dolente serra acima
Serpenteia os riachos cantantes
Deslumbra quem se aproxima

Esconde um segredo a velha aldeia,
No granito cinzento que a compõe
Vive as gentes desta terra esquecida
Esquecidos por quem deles dispõe.

Das mesmas mãos que a construíram
Entra o papelucho na preta urna
Com uma cruz num boneco qualquer
Alarve, eleito espera qu’essa gente durma.

O mesmo segredo, já há muito
Deixou de ser, cochichado a preceito
choram-se da miséria e da fome
A que os votou quem foi eleito

Inutilidades


O dia caiu maduro coberto pela noite
O sol pôs-se nesse dia a nascente
Na elipse que descreveu, prometeu
Nascer no outro dia a poente

Os rios viraram ao contrário
Inverteram o sentido da corrente
Começaram a nascer no mar
E a desaguar na ínfima nascente

A lua envergonhada não mais namorou
De lua cheia virou quarto crescente
E veio para quarto minguante
Perdeu o brilho de beleza aparente

Secou o mar e secaram as fontes
Secou o brilho dos teus olhos salgados
Vencidos pela força da intempérie
Cristalizaram lábios outrora molhados

A vida deixou de se chamar assim
Na impossibilidade da morte
Sem sentido, existência inútil
À vida passou-se a chamar sorte

terça-feira, 12 de maio de 2009

O velho que morreu sem ver o mar


Velho como a serra que calcorreia,
De perna bamba, às costas o cajado,
Barba rala, nariz adunco, pele macerada
Por companhia leva as ovelhas ao lado.

Suja e gasta presa nos finos ossos
A carne que lhe resta entremeada na pele
O velho caminha sem destino e sem lar
Exaurido pelos anos que das narinas expele.

Barqueiro sem barco, nem jangada
Em rio sem vida de margem estreita
Sobe a serra em passo dolente
Na busca de pasto e da paisagem perfeita

Nos olhos reflecte o verde dos montes
Mas era o azul imenso que ele queria,
Do grande rio sem margens, que lhe falam
As gentes que dali saíram um dia.

Um rio imenso onde pastaria sonhos
Perdido no alcance da margem inatingível.
Lá onde o céu se une a esse rio
Podia ser então o seu sonho possível

Ser menino outra vez e nos pés ter areia,
Não a terra ingrata que nunca o soube amar,
Morrer desfalecido na visão do azul,
Do imenso azul do céu e do mar

Templo


Busco a manhã nos teus olhos
O orvalho que te escorre na íris
Te limpa o rosto beija-te os seios
Teu ventre abençoado por Osíris
Terra mar e ar confundem-se
No horizonte do amor que te sinto
Afrodite do meu imaginário
Tornas-me de ti Baco faminto
Saboreio-te aos gomos
Pedaço a pedaço em oração
Descubro o teu santuário
Oráculo do meu coração

quinta-feira, 7 de maio de 2009

memórias


Sou um rapazinho com uma memória excelente, diria mais até portentosa. A minha mãe ainda hoje se admira das coisas que sou capaz de ir buscar ao baú das recordações. Fica pasmada por exemplo quando falo da primeira recordação de que me lembro, uma coisa do outro mundo, diz ela. Indo aos primórdios da minha existência tenho como primeira recordação ter ido a um piquenique com o meu pai, e vir com a minha mãe. Lembro com exactidão o tinto carrascão que o meu pai levou como parte operante nesse convívio que depois me deu uma azia tamanha que ainda hoje sofro dela.
Enquanto (quase) toda a gente só começa a ter recordações a partir dos 4-5 anos de idade, eu nessa altura já brincava aos médicos e enfermeiros com a Zé (Maria José – nome fictício porque a mocinha hoje é casada e mãe de filhos e o marido pode ficar chateado), lembro as borbulhas nas nádegas na hora em que lhe ia dar as picas (este tratamento era medicado para todas as maleitas que a mocinha se queixasse, fosse constipações ou diarreia), a cuequinha branca que afastava para meio das coxas da rapariguinha e sentia crescer em mim coisas que só muito depois fui capaz de explicar pese embora a minha inteligência avançada para a idade. Mesmo a mocinha que passados alguns anos era afoita a tratamentos desse tipo e nessa altura também ela detentora de uma excelente capacidade de interpretação não percebia essa minha elevação de espírito.
Lembro os beijos que a Rita me dava para me ensinar a beijar de língua (nome também fictício por motivos óbvios). A Rita era um pedaço mais velha que eu, já sabia o que fazia e decidiu ser minha professora nessa nobre arte de beijar e consequências tais. Ainda hoje me diz a rapariga que eu fui o melhor aluno dela. Entrevejo na memória desses instantes o decote generoso onde ela me metia a mão para me explicar como se apalpavam os dilectos úberes de que era possuidora. De como me impulsionava pelas ancas numa pura demonstração da nobre arte de cavalgar toda a sela.
Lembro a minha catequista da comunhão solene (ai, a Natália!) o quanto me martirizava os joelhos nas longas rezas que me punha a fazer, porque foi ela que me deu a conhecer a verdadeira noção do pecado, ainda hoje lhe agradeço por isso, lembro as mimosas amarelas no meio do monte e dos problemas que tínhamos em descobrir as cuecas dela (também amarelas) arrancadas no frisson e jogadas Deus sabe lá onde (estão a ver a importância do catecismo aqui?).
Já no colégio interno saltava os muros para ir ter com a Cristina, sábia na arte de se fazer santa e na arte do cavalgar. Essa mostrou-me como é bom por vezes ser passivo, entregar as rédeas e ser sela, cavalgadas em disparada…
Um dia…continuo… ( não queriam mais nada pois não?)

terça-feira, 5 de maio de 2009


Em correria pelos campos
Nos jogos de pião e arca
Ao botão e á macaca
É o teu sorriso que me abarca

Cabelo ao vento, coração aberto
Nas calçadas dos meninos
Nas ruas que são nossas
Espalhamos amores e carinhos

Dás-me o bilhete às escondidas
Em papel de linhas e perfumado
Que leio escondido de sorriso aberto
Sonhar-te sempre ao meu lado

Espreito sem que ninguém veja
Ao passar a tua casa como por acidente
A janela do teu quarto entre as cortinas
Na esperança do teu sorriso complacente

E é tão lindo o teu sorriso
Tão doce a tua forma de amar
Um bem-querer que me desatina
Sempre que vou sem te olhar

Deito-me à noite a rezar
À Sta Rita, ao Sr. da Cruz
Para que leias o recado
Que no parapeito te pus

Marco encontro no mesmo sítio
Testemunha dos amores.
O campanário da aldeia
Ri-se dos nossos ardores.

Ou será inveja dos teus lábios doces?
Cujo sabor te roubo a medo,
No aconchego do teu doce abraço
Quero-te amar assim em segredo

Retalho XIX Água conspurcada


Olhava a água que descia do rego cavado no granito encaminhando-se para o grande tanque comunitário onde as mulheres da aldeia lavavam a roupa, a água limpa e translúcida que desabava em correria sobre a outra já azulada e espumosa pelas mil lavagens das mil peças de roupa que as mil mulheres carpideiras de mil sofrimentos ali lavavam. O Artur morrera, disseram-lhe assim como se fosse uma coisa normal. E ela parara ali a contemplar a água fria e cristalina ainda livre do conspurco da roupa suja, lembrando quando se casara, a lua-de-mel, as promessas de amor eterno, a melena oleosa na frente dos olhos, o corpo poderoso que por instantes fugazes a fizera feliz, lá atrás, muito lá atrás… seguindo-lhe o curso descendente olhou a água já suja do sabão, das fraldas pestilentas, dos lençóis manchados, das camisolas suadas, das cuecas embotadas, tantas das mais de mil que já lhe passaram pelas mãos cortadas pelo frio daquela água e do químico do sabão. Só se ouvia o som da água a cair no tanque, as outras mulheres estavam em silêncio tentando adivinhar o que lhe ia na alma. A morte era algo normal, vivida e chorada por todos e depressa esquecida embora estas mortes não fossem normais. Odete recolheu vagarosamente o lençol que tinha em mãos já torcido, caminhou lentamente em direcção ao pequeno terreno elevado acima do tanque e começou a estender o lençol aos tímidos e teimosos raios de sol que espreitavam entre as nuvens ameaçadoras. Mas era preciso aproveitar o sol em Janeiro… estendeu maquinal e cuidadosamente o lençol, que não mais aconchegaria o seu Artur, não mais testemunharia as estaladas que ele lhe dava, nem os seus estertores orgásticos que a deixavam dorida e conspurcada como a água do tanque. A confusão instalara-se-lhe na alma de uma forma que não conseguia destrinçar, se era alivio se era sofrimento o que sentia…

Diário de Bordo II







Já fui cardume em correria
Pelos rápidos deste rio,
Roí as malhas da paciência
Deste rede que me estenderam
Não quis virar a própria corrente,
Virei peixe em sentido ascendente
Vogo agora em contra ciclo,
Subo o rio, liberto do estuário
Da foz que todos partilham.
Vou subindo, espartilhado
Pelas margens que afunilam
Em direcção á nascente,
Alheio á força em sentido descendente,
Faço dos predadores que me buscam
De dente em riste, e garra afiada,
Da guerra que lhes enceto
O mote da minha viagem.
Peixe alado contra as levadas
Determinado e consciente,
Antes morto nesta subida
Que vivo na temperança complacente.