domingo, 28 de junho de 2009

Morte em contramão


Numas águas furtadas de Lisboa, rompe as entranhas de uma mulher uma criança cujo sexo ainda não se sabe, rapidamente envolvida em plásticos e despejada num caixote do lixo.
No Sudão, na região do Darfur morre uma criança esquelética agarrada aos úberes secos da mãe já antes morta de desgosto de uma vida curta na convivência com a morte, a fome e a guerra cujas realidades foram de tal forma únicas que perece assim sem saber que algures àquilo que ela chama existir existem pessoas que lhe chamam vida.
Numa favela do Rio de Janeiro cai fulminado por uma bala perdida um menino cujo sonho era ter uma bola… Morreu sem a ter.
Num mercado em Bagdad, no Iraque um menino cujos pais não conheceu pedia esmola quando uma bomba incendiária o roubou à triste existência, morreu sem lágrimas nem lamentos.
Em Calcutá na Índia nas margens do Ganges ouve-se vindo de uma ruela o grito agudo de uma menina cuja perna é cortada a sangue frio para assim, estropiada aplacar os corações e ser merecedora da iníqua esmola.
Algures em Si-Chuan na china há um infantário com dezenas de meninas á espera que a inanição venha rápido e as livre de uma morte ainda mais sofrida.
Em todas estas crianças apesar de não se conhecerem há pontos em comum:
- Morreram sem saber dançar o “moonwalk”.
- Nunca ouviram o “thriller”.
- Nunca leram revistas de social sobre a triste vida de um milionário preto que queria ser branco.
- Ninguém lhe depositou flores na embaixada do seu país.
- Ninguém… Mas mesmo ninguém lhes chorou a morte.
- Nenhum poeta lhes dedicou um poema.
Morreram enfim, na contramão da hipocrisia atrapalhando o trânsito de mentes canoras que cantam o nascer do sol e desdenharam o seu sol-posto.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Morte ao negro


Morte ao negro da ignorância,
Morte ao negro do pedestal
Que segura a fraca e efémera esconjura,
Aviltante do livre pensamento,
Em voo raso ou altaneiro,
Porque o voo não se explica,
Apreende-se e observa-se.
Morte ao negro da intolerância,
Morte ao negro do egocentrismo,
Porque o voo da garça
Não é menos belo
Que o voo da andorinha.
Será mais nobre o voo do falcão
Que busca a caça no ar
Ou o deambular do abutre
Que espera despojos em terra?
Só quero ter asas e voar,
Intrépido e capaz
Como a águia de altos voos,
Lento e rasante
Como o albatroz
Em ponto de fuga,
Frágil e tremente
Como o beija-flor em equilíbrio.
Morte ao negro de alma
De quem empunha o fuzil
Na tentativa de me cercear.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

medidas exactas


Queria poder parar o tempo
No exacto instante do teu beijo
Sentir nos lábios que me ofertas
Um suave e eterno desejo

Também ele assim parado
Na exacta medida do restolhar
De dois corpos que se unem
Com fome e sede se querem amar

Queria esse beijo com a ânsia
Que espero o teu perfume
A envolvência que me arrebata
E algures em mim solta o queixume

Mesmo quando não estás
A suave espera que te faço
É a exacta medida do meu querer
Ter-te enlaçada no meu abraço

terça-feira, 23 de junho de 2009

Deus?


Será porventura breve
A passagem
Quando os olhos se me cerrarem
Por força do caixão das pálpebras
Outro me cravarão em mortalha de cedro
Não ouvirei as marteladas dos pregos
Introduzidos na catacumba do silêncio
Que enfim me envolverá.
Nada me espera, eu sei,
Que de espiritual e etéreo
Temos o amor dos vivos que nos choram.
Deus a existir não me quererá
Por força da razão da minha recusa
Em lhe aceitar os terrenos caprichos

sexta-feira, 19 de junho de 2009

das mulheres sobre os homens


Ainda em relação ao casamento e agora vendo pelo prisma feminino, também não lhe enxergo virtudes depois da primeira semana de união. Eu sei que depois vão dizer que não, que com vocês é diferente, que continuam muito apaixonadas mas cá entre nós sabemos que não é bem assim, que se tivessem a certeza que ele não lia vocês confessavam que sonham com o Brad Pitt enquanto ele vos calca a bexiga feito um rossinante. Não me digam que não pensam nos mimos que o Patrick Swayze prodigaliza à Demi Moore no fim daquela queca no “ghost” enquanto ressona esvaido aquele barrigudo de cerveja ao vosso lado, sim aquele mesmo que vos fez fazer poemas de amor de fazer corar a Espanca. – quem precisava ser espancada era eu por ter casado com esta cavalgadura – pensam vocês que eu sei. Bem, e quando o anormal começa a comer? Enche aquela boca de feijãopreto, ri-se com os dentes cobertos das cascas de feijão dando um ar de cariado á dentadura de mongolóide que ostenta enquanto arrota para gáudio dos miudos que logo o começam a imitar dando lugar a um concurso de arrotos que as tiram do sério. Eu ás vezes compreendo porque é que quando uma gaja põe os cornos ao marido ele arma uma cena de faca e alguidar, despeja com ela na rua e promove-a a soldado raso entre as meninas que decoram a esquina lá do prédio a partir das 12.00 da noite, mas quando é ao contrário, o anormal corneia a legitima, ela arma uma cena de baba e ranho durante uns dias mas depois perdoa-lhe. Ela chora por o gajo não ter ficado com a outra, e perdoa-lhe porque ele, a pensar que ela o ama muito, dá-lhe umas quecas mais parecidas com as performances que obtinha enquanto ela lhe dedicava poemas. Mas é rápida a mudança, logo, logo ele volta ao mesmo. Provação das provações, ele vai sair com os amigos para uma noite de copos, chega bêbado e com tesão (psicológico), vocês fazem de conta que dormem para ver se o abestunto desiste mas não, ele enfia mãos e outras coisas (moles) por tudo quanto é lado e depois enjoado do balanço vai para a casa de banho vomitar, vomita no lavatório, vomita na sanita, vomita no bidé e adormece deitado no sofá da sala a acusá-las de frigidas… Haja paciência…E depois tem aquela maniazinha de não levantar a tampa da sanita e deixar aquilo molhado para o seguinte que são vocês, apertar a bisnaga da pasta de dentes a meio e deixar o lavatório todo borrado de sabão da barba… - Mas é mesmo burro, não aprende… - além de que para cuidar dos filhos tem sempre uma desculpinha, que mete nojo mudar fralda, mas esquece-se que também mete nojo ouvir e cheirar os peidos dele. Mas minhas amigas não se queixem, enquanto têm filhos conseguem sempre partilhá-lo um pouco com alguém, quando os filhos se forem embora ele vai ficar tudinho para vocês e aí nem a vizinha do 5º esquerdo o vai querer por muito rodada que seja.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

PUSSY, PUSSY, come on in pussy lovers


Gosto muito de ver os poetas e poetisas a falar de amor, é o tema mais abordado, mais cantado, mais adorado. O amor é assim a modos que a água que nos rega e nos faz medrar se somos correspondidos, ou um pontapé entre as gambias (sim, naquele sitio!) se não é correspondido. E agora? Digam-me lá o que isso tem de poético, as senhoras podem não entender do que falo, mas os homens sabem muito bem o que custa um pontapé nos ditos cujos. Desafio esses mais choramingas que andam por aqui sempre a verter lágrimas de amor a escrever um poema com essa dor lancinante nos penduricalhos.
E direis vós: - mas não e tal, áhh porque o amor tem muitas vezes um final feliz e mais não sei quê… - pois, digo eu, eu concordo mas esses finais felizes acabam irremediavelmente com um solene “e viveram felizes para sempre”, ou seja o casal de pombinhos deu como epilogo a esse grande amor que os fez verberar poemas de paixão, um casamento, ou vá lá, uma união de facto que é mais moderno. Ou seja são burros, mais lhes valia deixarem-se andar com essas lamechices de poemazinhos para lá, poemazinho para cá, gritos surdos no peito para lá, corações trespassados para cá. Vi aqui há uns tempos em qualquer lado que se o casamento fosse uma coisa boa não eram precisas testemunhas. E depois, vamos convir que é chato, a primeira semana ainda vá lá, mas acordar ao fim de trinta anos com uma dor no maxilar que uma gaja que dorme ao nosso lado nos enfiou com o cotovelo numa das mil voltas que dá na cama durante a noite, santa paciência… mas não se preocupem, depressa esquecem a dor no maxilar ao ver o susto de mulher que tem ao lado, a dormir num ar abandonado que num poema o poeta classificaria como ar angelical, mas não… A gaja ressona que se farta, produz por baixo dos lençóis gás natural que dá vontade de mandar os Ucranianos cortarem de vez relações com os russos, aquilo dava para canalizar até à Austrália. Mas se pensa que já passou tudo, está redondamente enganado, vem aí a manhã, a derradeira provação. Bem, se ela não lhe apetecer acordá-lo e interromper o sonho delicioso que está ter num terno cavalganço com a Maité Proença já está com sorte, mas de uma coisa não se safa, ao acordar estremunhado a resmungar com o despertador, com a ciática que não o larga, aquela comichão nas virilhas que o faz ter vontade cortar rentes as jóias da família, para além de tudo isso entra na casa de banho e vê aquela mulher com quem andou a desperdiçar poemas de amor, sentada no vaso sanitário com umas cuecas de gola alta penduradas nos tornozelos, o rosto vermelho de esforço na tentativa de excretar um urubu grossíssimo que insistiu em se prender aos esfíncteres e dali não sai nem ninguém o tira exalando um cheiro nauseabundo na casa de banho exígua, que dá sentido que se chame à merda do seu quarto o pomposo nome de suite. E quando um gajo sai para o trabalho ainda querem um beijo nos beiços, não queriam mais nada pois não? Depois somos nós que já não somos românticos… mas há romantismo que resista a isto?

domingo, 14 de junho de 2009

Um menino que me sorriu numa tarde de chuva


Acendi um cigarro, formei uma bola de fumo na primeira baforada que expeli, o menino ofereceu-me um sorriso cariado, perante a façanha propositada para lhe desapertar o laço da língua, ficou assim com o sorriso castanho desenhado, olhitos brilhantes, pele já macerada:

- Queres uma chiclete? – Perguntei-lhe. Abanou um dos ombros como que passando para mim essa decisão, a de ele querer ou não. Eu decidi que sim, e mandei o Jorge dar-lhe a chiclete.

- Diz obrigado ao senhor – Ordenou a mãe numa tentativa de demonstrar que lhe ensinava boas maneiras. O menino desenhou de novo o sorriso primeiro para a mãe, depois para mim. A mãe desenhou outro sorriso, este farseiro de dente em falta, numa aparente disponibilidade que recusei com um desviar de olhar, virando-o de novo para o menino que acorria já ao chamamento da mãe. A rua desenhava-se nevoeiro dentro, salpicado pelos aguaceiros, indolentes as imagens desapareciam à medida que caminhavam. Caminham sempre as imagens, vêm não sei de onde mas sempre em rota de fuga no nevoeiro que as adensa. Até ao sorriso do menino… Adivinho-lhe o sumiço.O cigarro esquecido entre os dedos queimou-me as falanges.

- Vens? – Perguntou-me um amigo que me esperava para almoçar

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Amor vertido pelo chão


Arrancas-me os botões
Em pressas compassadas
Espalhas pelo chão o amor
De suspiros e lágrimas brotadas
Desarrumas-me os sentidos
Vertes-me a alma aos teus pés
Um desarranjo consentido
Entre cadeiras, sofás e canapés
Arrastas-me para a tua cama
Vertes a tua alma no meu corpo
Desenho-to e rasgo-te em linho
Debruo-te a martelo e escopro
Emaranhado de suor, sol e lua
Não descrevem o paroxismo,
Não vertem corpos escaldados,
Verto-te eu no ventre, meu abismo.
Entro sol alto, saio lua cheia
Que ilumina o meu andar
Felino esgueirado nas sombras
Seguido pelo teu doce olhar
Rasgos de corpos vertidos
E nascidos para se amar
Consentido pelo chão
De um amor por arrumar

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Não vás para longe


Não te escrevo há tanto tempo
Que me morde de ti a saudade
Colaste-me na doce lembrança
Ferras-me o amargo da contrariedade
De saber que algures te possuo
De sentir que a mim te queres dar
Adivinhar-te em doce espera
Do beijo que em ti vou poisar
Distância efémera, a que nos separa
Afago cálido, eterna esperança
De em cada partida que encetas
Seja o regresso a doce confiança