quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Esqueleto à beira mar plantado


Degolam a palavra,
Pelo simples e egoísta acto de matar,
Idiotas inúteis
Ocos entre o parietal e o frontal,
Corre-lhes nas artérias exangues
Um pútrido líquido que esparramado pelo nasal
Contamina suínos à peste humana.
Admiram a unha tratada na ponta da falange,
Raspam o sabugo,
Engordurado pelos que rompem a cervical
A engordar-lhes os fígados hepáticos.
Longas vidas têm as bestas
Que da ciática se livram
À custa de quem rompe as rotulas
A encerar-lhes o lídimo piso
Onde assentam as plantas
Que lhes suportam os cuneiformes.
Debitam diarreias para audiência
De campânula em riste
Ignara dos riscos que os tímpanos sofrem
Ao oferecer a tuba auditiva aos rectos falantes.
Abanam as clavículas em jeito contristado e pesaroso
As pobres audiências
Que lhes sufragaram o direito de perdigotar aleivosias,
Continuando a romper falanges
Nas plainas alisantes da madeira
Onde sentam o sacro cu.
Despontam como papoilas na primavera
Os gordos asnos sufragados
Para um povo que lhes merece o peso,
Que pela força não os desencadeira
E por uma cruz os legitima.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Primavera do céu


Para onde vais andorinha
De asa ao vento assim cansada?
Vais para longe, vens de longe
Sempre em busca da alvorada

Que te acolha e te sossegue
Esse quebradiço voar
Num golpe de asa sem fim
Que vem lá de lá do mar.

Se eu pudesse mãe coragem
Substituía-me às monções
Fazia-te um ninho no meu peito
Que te abrigasse todas as estações

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Entre mim e eu


Encostado no corrimão
da minha paciência
sustenho o ar num acervo de agonia
no passo que me recuso a dar
ao degrau seguinte,
preso por uma linha imaginária
que se prende entre o ascendente
e o descendente
nunca sei qual o degrau que piso,
não sei se subo,
se desço,
se fico,
se vou…
abro a gaveta da memória,
aquela bafienta
onde arrumo o que não gosto
e num pressuposto absoluto de limpeza
sopro o pó remanescente
que emerge no ar
e aproveito para enfiar na narina,
na tentativa de me etilizar
no estado sereno da insensibilidade necessária
para abordar o que ali arrumei,
de tempos que não quero recordar,
aos quais não quero voltar.
Estufo o peito num abafado de vinha de alhos
e dou o passo na direcção do degrau
que se precipita no abismo
que me atormenta os sonhos de quando em vez,
caio…
caio…
E o fundo nunca aparece…
Sempre a cair,
numa queda sem fim,
acordo nesse terror
de uma queda abrupta no infinito
e alvoraçado como um bote de borracha que se esbate com as marés,
rompo a quilha na aresta de rocha
e vagueio no ar feito balão
que se esvazia e vai batendo pelas esquinas
até cair inerte no chão do meu desolamento.
Nesse acordar
onde não distingo a razão da minha insanidade
as pálpebras recusam-se a abrir,
o corpo não me obedece,
sei que acordei,
mas o meu corpo não sabe,
como companhia tenho o silencio
e a negritude a que o meu corpo me condena
na insanável recusa de olhar.
Já não sou rio que rompe margens,
não sou mar de águas amenas que te vai beijar,
sou assim uma espécie de regato
que se estiola nos rigores do estio
e mirra seco nas brechas das montanhas que me emparedam.
Vejo-me agora de cima com um sorriso cínico,

eu vejo mas o meu corpo não sabe

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Sensações


Volta sensação minha
Toma-me no sal do teu ventre
Agora…
Que os lábios e a pele recordam
As maresias de encanto
No desabrochar do Maio
O desejo púrpura da saudade
Brisa amena que me vem beijar
Agora…
Que a memória do corpo desperta
Vem, toma-me, agora
Que as mãos sentem
Como se tocassem de novo.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Memórias /rimas tradicionais do Minho


Não corre água no regato
Mirraram as flores no canteiro
Não há mais cor no meu céu
Embrutecido entre o nevoeiro

Desce o pranto da saudade
Rouba-me o tempo de te amar
Cada minuto que passa
É ampulheta a virar

Subi o escadario do bom Jesus
Fiz novena à Senhora das Dores
Fiz promessa aos Santos Passos
Nada aclamou os meus ardores

Secaram as mimosas nos meus olhos
Acinzentou o verde do meu Minho
Já não vejo o teu sorriso
Que me punha assim sem tino

Resta-me a memória dos teus gorjeios
Da gargalhada, que me provocava o riso
Tua pele morena e trigueira
Teus lábios que me tiravam o siso

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Masturbação


Há dias que me sinto assim, enroscado…
O corpo arqueia-se num gemido interno sem que eu queria, sem me obedecer as mãos procuram, tacteiam no vazio, cruzo-as de encontro ao peito, e deixo que as pálpebras se cerrem, onde concentrado no som do silencio que me invade enceto a busca pelo universo da minha cama vazia, mesmo sabendo que não te encontro ali. Procuro-te entre lençóis de cio que me aconchegam a saudade mas não mitigam a tua falta. Deixo que a luz ondulada entre as persianas da janela me lembrem o raiar do teu sorriso, que esse lusco-fusco me traga a carícia do teu cabelo solto que me vem lamber a pele quando te debruças sobre mim.
A minha cama é agora um universo, um paroxismo matizado de sol e suor, declaro guerra á lua, afundo o rosto na almofada dos teus seios, tuas nádegas redondas a colcha perfumada em lavanda colhida nos mais puros regatos, em cujo trinar descubro o gemido que me soltas quando te arqueias de encontro a mim, teu ventre pulsante e pungente, ávido e oferecido na penumbra do desejo.
És sal és água, esporeada nos flancos és égua em disparada nas margens do meu leito, teus lábios carmim pulsam a cada arremetida do cerne da nossa luta, meu desejo sempre inacabado, meu desejo sempre adiado…penetro-te a noite, busco a alvorada.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Diz-me


Encosta a boca ao meu ouvido
Diz-me por onde andas,
O que tens feito,
Nem tanto para saber
Mais para sentir
O teu hálito quente,
Saborear o som da tua voz,
Cava no meu ouvido.
Fecho os olhos e quase a sinto,
Trinar de saudade
Num crepúsculo sem fim
Nesse soar sem tino
Que se perde
Na memória dos dias que passo sem ti.

Encosta a boca ao meu ouvido,
Fala-me das paragens
Por onde andas ausente de mim,
Vestida de mim
Num abraço sem fim,
Fecho os olhos e quase te vejo,
Olhos de corça,
Lábios de mel,
Minha terra prometida
Onde apascento o meu desejo,
Assim só de te imaginar…

Vem…
Encosta a boca ao meu ouvido…

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Bocas


Devassa intima que me escorres
Em boca despudorada
Da língua que te escorre
Num passo que me descompassa.
Colírio da minh’alma,
Clítoris aguçado,
Tremente…
Espera…
Solicito…
Túrgido…
Satisfeito, enfim…
Num revés de posição
Vara de sensações
Em ponta de língua inflamada
No membro flamejante
Que colérico descarrega
Boca que traga
Sorve…
Lambe…
Acaricia…
Engole…
Rápida súplica orgástica.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

De mim e de outras mulheres VI




Apareceu do nada no hall do andar, carregado de sacos plásticos, barba por fazer hirsuta e esbranquiçada, olhos claros com um olhar negro cor da pele, as calças eram farrapos que mal lhe tapavam o esqueleto e as partes pudibundas, um casaco amarrotado cuja cor já não se distinguia, calçado trazia a planta do pé rugosa e poeirenta. Os outros miúdos arrancaram a correr e a gritar abandonando o jogo do botão que originava acaloradas discussões quando pedia meças a palmo, eu continuei ali de joelhos boquiaberto, não de terror como os outros mas sim de surpresa pelo homem da triste figura que se me deparava.
Caminhou diante de mim, como se me perpassasse sem olhar para mim, imune e ignorando o estupor que ostentava. Ao longo da varanda corrida que servia os apartamentos e cujas portas estavam abertas a triste figura a todas bateu sem alma e sem esperança, como um autómato, arrastando os pés num passo vagaroso e alquebrado.
Pedia esmola ou algo para comer ou até mesmo algo velho que pudesse depois vender ou trocar, eu seguia-o silencioso um ou dois passos atrás. Uma vizinha deu-lhe um espelho e despachou-o:
- Agora põe-te a andar daqui que não se suporta o cheiro – disse em voz severa e ríspida. Era a ultima casa, ele deu meia volta e recomeçou aquele compasso olhando e admirando o espelho, de repente este caiu no chão forrado de azulejos estilhaçando-se em vários pedaços, o homem olhou os pedaços incrédulo ajoelhou-se e começou a recolher os pedaços em movimentos maquinais, eu ajoelhei-me também incapaz de ignorar o sofrimento que se sentia no rosto hirto e ossudo.
O homem pegou num dos pedaços e reflectiu-se nele o rosto, ele olhou-se no fragmento do espelho, as lágrimas explodiram-lhe nas íris, lamentando não se sabe o quê, se o espelho partido, se o fragmento de vida que lhe viu estampado.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Seara de Maio


Céu recortado no horizonte
Pela planície folheada a ouro
Trigo de seara que não colhi
Nesse olhar meu eterno tesouro

Lá até onde alcança a vista
Perdida em azuis de marés
De um céu sem nuvens
Sem um chão para poisar os pés

Vislumbro fragmentos de mim
Ventos no rosto que me sabem a ti
Seara de Maio semeada assim
Como um rio que em mim flui

Não correm rios no teu chão
Nas marés de ouro debruado
Da mais pura filigrana recortada
De um beijo em ti repousado

Anoitece na tua seara
Entardeço nessa espera desmedida
De um dia, queiram o céu e as estrelas
Em que te afundas como que despida

Fazer-te galáxia de mil sóis
Em brilhos orgásticos de sol poente
Na tarde em que te anoiteço
Fazer-te madrugada de sol nascente