sábado, 20 de fevereiro de 2010

Entre mim e eu


Encostado no corrimão
da minha paciência
sustenho o ar num acervo de agonia
no passo que me recuso a dar
ao degrau seguinte,
preso por uma linha imaginária
que se prende entre o ascendente
e o descendente
nunca sei qual o degrau que piso,
não sei se subo,
se desço,
se fico,
se vou…
abro a gaveta da memória,
aquela bafienta
onde arrumo o que não gosto
e num pressuposto absoluto de limpeza
sopro o pó remanescente
que emerge no ar
e aproveito para enfiar na narina,
na tentativa de me etilizar
no estado sereno da insensibilidade necessária
para abordar o que ali arrumei,
de tempos que não quero recordar,
aos quais não quero voltar.
Estufo o peito num abafado de vinha de alhos
e dou o passo na direcção do degrau
que se precipita no abismo
que me atormenta os sonhos de quando em vez,
caio…
caio…
E o fundo nunca aparece…
Sempre a cair,
numa queda sem fim,
acordo nesse terror
de uma queda abrupta no infinito
e alvoraçado como um bote de borracha que se esbate com as marés,
rompo a quilha na aresta de rocha
e vagueio no ar feito balão
que se esvazia e vai batendo pelas esquinas
até cair inerte no chão do meu desolamento.
Nesse acordar
onde não distingo a razão da minha insanidade
as pálpebras recusam-se a abrir,
o corpo não me obedece,
sei que acordei,
mas o meu corpo não sabe,
como companhia tenho o silencio
e a negritude a que o meu corpo me condena
na insanável recusa de olhar.
Já não sou rio que rompe margens,
não sou mar de águas amenas que te vai beijar,
sou assim uma espécie de regato
que se estiola nos rigores do estio
e mirra seco nas brechas das montanhas que me emparedam.
Vejo-me agora de cima com um sorriso cínico,

eu vejo mas o meu corpo não sabe

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