quarta-feira, 22 de abril de 2009

Dia Mundial Da Hipocrisia


Dia mundial da terra, mais um dia em que se exaltam as virtudes, renovam-se promessas, arrebanha-se vontades porfiadas pelo socialmente correcto, porque é bem falar do verde dos montes, das águas cristalinas, do buraco de ozono (mesmo que muitos não façam a pequena ideia do que isso é), do degelo do árctico, da morte precipitada dos ursos polares, da extinção dos gorilas de dorso prateado, do tigre da Sibéria, do rinoceronte africano. Àh, e do lince da Málcata (já me esquecia deste). Se me esqueci de algum, envio daqui as minhas desculpas aos visados. E hoje, não há uma daquelas iniciativas fabulosas tipo desligar a luz no mundo inteiro a uma determinada hora durante uns minutos? Ou daquelas (uma das minhas preferidas) de fechar o centro das cidades ao transito e pôr a populaça a andar de bicicleta? Não? Que pena, porque se houvesse amanhã retomava a minha vida com a consciência tranquila, gozando os prazeres do meu carro, as luzes fantásticas do meu jardim e a vida segue em frente. Podia até quem sabe comprar uma pele de zibelina daquelas electrocutadas pelo ânus para que a pele saia perfeita. São dias fantásticos estes dias mundiais de qualquer coisa, gosto pronto, especialmente daqueles dedicados a uma doença qualquer como a sida por exemplo e nesse dia fala-se dos milhões de infectados por essa África fora, os abutres da comunicação social arribam hospitais fora em busca de depoimentos daqueles de fazer chorar as pedras da calçada. E nesse dia temos muita pena deles… mas o meu preferido mesmo, é um qualquer que não me lembro o nome mas contra a fome, e lá vêm as imagens dos pretinhos de barriga inchada agarrados aos úberes secos de mães esquálidas. Embora aí me irrite porque passam isso no telejornal, e normalmente estou a jantar e aquelas moscas varejeiras que volteiam os ranhosos dão-me um certo asco, mas lá faço um “tsc, tsc” de comiseração e ataco a fumegante arrozada com um batalhão de lagostins em parada, e mando o puto mudar para a sport Tv que deve estar a começar o Benfica. No fim do jantar separo o lixo ciente dos meus deveres sociais. E nesse dia tenho muita pena deles… dos meus filhos que mais sensíveis com essas coisas ficaram agoniados com a visão das moscas.
Sou de opinião que deve haver todos os dias um dia mundial mas de todas as maleitas, todos os dias, reflectindo todos os dias nessas coisas que me (não) tiram o sono. Reflectíamos no mesmo dia, todos os dias sobre a terra, sobre o mar, sobre a sida, sobre a fome, sobre a pobreza, sobre o aquecimento global… (deixo ficar as reticências, se alguém se lembrar de mais algum é só acrescentar). E propunha-lhe um nome…todos os dias seriam esse dia, já viram que boa ideia, 365 dias por ano, 366 nos anos bissextos e acabávamos com esta confusão de dias diferentes, um do pai, outro da mãe, avozinho, do cão, do gato e dos pobres(?) vejam lá… De manhã mal me levanto a primeira pergunta que faço à primeira pessoa que encontro é: “desculpe, hoje é dia mundial de quê?” e lá me incuto da necessária reflexão sobre o assunto em questão. Por isso vamos dizer BASTA, a partir de agora todos os dias são dias de todas as preocupações que assolam o mundo. Eu sou realmente uma pessoa espectacular, inteligente e acima de tudo preocupado. Eu propunha-lhe o nome de … DIA MUNDIAL DA HIPOCRISIA.

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