O café após o bulício matinal que antecede a hora de entrada do turno normal nas fábricas ficou silencioso, o vento amainara a sua sanha impetuosa pelas frestas do empedrado da pequena casa que constituía o espaço do café e mercearia. Pequenos quadros de clubes e posters de jogadores famosos de outras eras enfeitavam as paredes de granito cru. Mesas compridas ladeadas de bancos corridos de madeira carcomida pelo uso emprestavam-lhe um ar soturno. O Tónio limpava no balcão em gestos maquinais os restos de bagaço entornados por mãos trémulas agastadas pelo vício da ressaca de abstinência depois de uma noite de sono. O pano era mais sujo que o balcão, olhar perdido nos desenhos de abstracção que os longos anos de uso impregnaram na madeira velha o Tónio reflectia nas notícias recentes. Será que o patrão já sabia? Já devia saber e se não souber, o Artur mal chegue dá-lhe a nova. O que fará ele em relação ao assunto? Que merda, será que ia começar tudo outra vez? Há males que vêm por bem, da outra vez entrou algum dinheirito que deu para comprar o café e a mercearia e vida encarreirar. Ainda se lembrava da conversa em surdina do patrão com ele:
- Esse filho da puta anda-me a estragar os negócios – dissera o patrão naquela voz grossa de charuto
- Se quiser trato dele patrão, dou-lhe um enxerto de porrada que não se mexe num mês. O Tónio tinha uma compleição física invejável, mãos grossas de trabalho braçal nos estaleiros da fábrica, nariz levemente inclinado para o lado, partido por tantas rixas de rua o que o fazia fungar constantemente e já se tinha tornado um tique.
- Não, não pode ser isso, tem que ser algo que o cale definitivamente, ou matá-lo ou espetar-lhe um valente susto. Ele tem aquele lacaio dele que lhe trata das contas e sabe de tudo também, se ele se for o Jorge Maria vai perceber que não estamos a brincar e cede a venda dos terrenos, porque saberá que não estamos a brincar.
- Mas matar? Matar mesmo patrão? Pergunta receoso o Tónio.
- Foda-se Tónio, és homem ou uma merda de um rato? Se tens medo diz-me que arranjo outro. Retrucou o Patrão.
- Bem, acho que era capaz disso, era sim senhor. Mas se calhar precisava de ajuda ‘pó caso de algo correr mal.
- E quem é que achas que te podia ajudar? Pergunta o patrão
- O Artur patrão…O Artur era homem para isso. Disse prontamente o Tónio.
- Parece-me ser de confiança, calado e tal mas um tanto fanfarrão. A responsabilidade é tua e ele não pode saber que eu estou nisso. Vê lá como fazes as coisas… avisou o patrão.
- Deixe isso comigo patrão, vai ser limpinho. E a Guarda? Vai começar a fazer perguntas.
- Desses trato eu, não te preocupes. Responde o Patrão em jeito de cortar a conversa e despachar-se para casa que a noite caía… trata disso o mais tardar amanhã, escolhe o melhor sítio, deixo isso por tua conta.
João Oliveira olhou o relógio, e em seguida para a janela, a noite caía, a hora de expediente já finara há uma hora, arrumou os livros meticulosamente, despejou o cinzeiro, deu um último olhar e sorriu para dentro ante a expectativa do jantar que a sua mulher lhe faria. O filho Norberto viria lá jantar a casa, depois do primeiro trimestre em Coimbra. Inchado de orgulho pelo filho cujos estudos lhe custavam os olhos da cara mas valia a pena, seria um doutor, teria um futuro promissor assim deus ajudasse. Ao passar no corredor desejou boas noites em voz alta para a porta entreaberta do escritório do Sr. Jorge Maria Braga, o benévolo patrão que tinha feito esse sonho possível. Ao sair dos escritórios da adega João pareceu-lhe ver uma sombra que se acoitava por trás do velho camião de transporte:
- Quem está aí? Perguntou… Um gato deu uma corrida brusca em direcção ao portão.
- Malditos gatos – disse João numa imprecação surda e retomou o caminhar na noite que já se abatia escura, dobrou a esquina em direcção ao carro enquanto remexia nos bolsos á procura da chave. A pancada veio surda e repentina no alto da testa, sentiu o sangue quente jorrar sobre os olhos embotando-lhe a visão:
- Mas que raio… não acabou a frase, uma segunda pancada atinge-o na base do crânio, outra forte e dura atinge-lhe o estômago dobrando-o sobre si mesmo e tirando-lhe a respiração e a capacidade de emitir qualquer som.
- Foda-se, ainda mexe o filho da puta – ouviu uma voz familiar mas que não conseguia reconhecer.
- Não te preocupes que ele pára já de mexer - disse uma outra voz em surdina.
Sentiu o aço frio da navalha encostar-se ao pescoço, ouviu o sangue golfar espesso, a empapar-lhe o peito, estranhamente não sentiu dores, só uma falta de ar enorme que o levava a inspirar sangue e terror. Já não veria o Norberto… Tinha tantas saudades dele…
- Esse filho da puta anda-me a estragar os negócios – dissera o patrão naquela voz grossa de charuto
- Se quiser trato dele patrão, dou-lhe um enxerto de porrada que não se mexe num mês. O Tónio tinha uma compleição física invejável, mãos grossas de trabalho braçal nos estaleiros da fábrica, nariz levemente inclinado para o lado, partido por tantas rixas de rua o que o fazia fungar constantemente e já se tinha tornado um tique.
- Não, não pode ser isso, tem que ser algo que o cale definitivamente, ou matá-lo ou espetar-lhe um valente susto. Ele tem aquele lacaio dele que lhe trata das contas e sabe de tudo também, se ele se for o Jorge Maria vai perceber que não estamos a brincar e cede a venda dos terrenos, porque saberá que não estamos a brincar.
- Mas matar? Matar mesmo patrão? Pergunta receoso o Tónio.
- Foda-se Tónio, és homem ou uma merda de um rato? Se tens medo diz-me que arranjo outro. Retrucou o Patrão.
- Bem, acho que era capaz disso, era sim senhor. Mas se calhar precisava de ajuda ‘pó caso de algo correr mal.
- E quem é que achas que te podia ajudar? Pergunta o patrão
- O Artur patrão…O Artur era homem para isso. Disse prontamente o Tónio.
- Parece-me ser de confiança, calado e tal mas um tanto fanfarrão. A responsabilidade é tua e ele não pode saber que eu estou nisso. Vê lá como fazes as coisas… avisou o patrão.
- Deixe isso comigo patrão, vai ser limpinho. E a Guarda? Vai começar a fazer perguntas.
- Desses trato eu, não te preocupes. Responde o Patrão em jeito de cortar a conversa e despachar-se para casa que a noite caía… trata disso o mais tardar amanhã, escolhe o melhor sítio, deixo isso por tua conta.
João Oliveira olhou o relógio, e em seguida para a janela, a noite caía, a hora de expediente já finara há uma hora, arrumou os livros meticulosamente, despejou o cinzeiro, deu um último olhar e sorriu para dentro ante a expectativa do jantar que a sua mulher lhe faria. O filho Norberto viria lá jantar a casa, depois do primeiro trimestre em Coimbra. Inchado de orgulho pelo filho cujos estudos lhe custavam os olhos da cara mas valia a pena, seria um doutor, teria um futuro promissor assim deus ajudasse. Ao passar no corredor desejou boas noites em voz alta para a porta entreaberta do escritório do Sr. Jorge Maria Braga, o benévolo patrão que tinha feito esse sonho possível. Ao sair dos escritórios da adega João pareceu-lhe ver uma sombra que se acoitava por trás do velho camião de transporte:
- Quem está aí? Perguntou… Um gato deu uma corrida brusca em direcção ao portão.
- Malditos gatos – disse João numa imprecação surda e retomou o caminhar na noite que já se abatia escura, dobrou a esquina em direcção ao carro enquanto remexia nos bolsos á procura da chave. A pancada veio surda e repentina no alto da testa, sentiu o sangue quente jorrar sobre os olhos embotando-lhe a visão:
- Mas que raio… não acabou a frase, uma segunda pancada atinge-o na base do crânio, outra forte e dura atinge-lhe o estômago dobrando-o sobre si mesmo e tirando-lhe a respiração e a capacidade de emitir qualquer som.
- Foda-se, ainda mexe o filho da puta – ouviu uma voz familiar mas que não conseguia reconhecer.
- Não te preocupes que ele pára já de mexer - disse uma outra voz em surdina.
Sentiu o aço frio da navalha encostar-se ao pescoço, ouviu o sangue golfar espesso, a empapar-lhe o peito, estranhamente não sentiu dores, só uma falta de ar enorme que o levava a inspirar sangue e terror. Já não veria o Norberto… Tinha tantas saudades dele…
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