quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Poeta dos sete costados


Acordou envolto num bafo cujo cheiro lhe pareceu a lagar de rosas a boiar em águas que lavaram pés dormentes, coçou a micose do cúbito, afastou para o lado a ressaca que o cobria, arrumou a tontura onde repousara a cabeça e mirou longamente a colher de ternura retinta de queimada, preparou o pequeno almoço ali mesmo aquecendo a colher em botija de gás preparando o mata-bicho que lhe afastariam as gonorreias cerebrais de que padecia. Pronto o caldo e devidamente sugado pela jinga enfiou a ponta da agulha narina acima, o que lhe deixou um sabor de bacon e ovos fritos no céu da boca, soube-lhe a caviar e arrotou uma fossa, cujo cheiro lhe lembrou a água de rosas que entornara no caldo.
Puxou do papel e da caneta que desenhava a carvão e lambeu uns arabescos nas margens de fora do arroto que tinha dado. Amarrotou a defecação e atirou-a ao passeio onde um transeunte distraído a abriu e pôde ler “muito amor ao mundo”, “deus na terra e Cristo no céu”, mais umas letras de um padre qualquer a quem passam a vida a chamar sábio, títulos de livros lidos e parangonas que tais. O transeunte amarrotou de novo o papel e como era adepto da reciclagem enfiou-o no vidrão mais próximo infectado da gripe da moda, virando também ele poeta dos sete costados com palavras que nunca dirá.

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