terça-feira, 29 de setembro de 2009

cama de sargaços


E se no mar da minha angustia
Brilhasses tu, estrela luminosa
Que aclara o dia que não é
Na ausência da tua chama fogosa?

Se nas algas do meu oceano
Te fizesse cama de sargaços
Puros como a profundidade
Dos meus mais ternos abraços

Se nessa cama me oferecesses
O sal do teu sabor, a maré do teu prazer
Em vagas ondulantes nas tuas coxas
Contra o meu corpo a perecer

Arrancaria de teus seios o gemido
Quando trova da sereia me cantasses
Perdido no teu infinito
Quando na minha cama te deitasses

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Composto por uma nota só


Vejo a minha vida ao longe
Num desmontar de puzzle,
As separações que o compõem
Entrelaçam-me as cartilagens
Num composto decomposto
Pela minha ausência,
Ossos emagrecidos pela ausência de tutano.
Não virá o quebra-ossos
Elevar-me nas alturas
Para me despenhar
Em queda abrupta do granito
Que composto pela cor da minha partitura,
Nem um dó me dará,
Antes um sol abrasador e inclemente
Que me decompõem nas bermas
Compostas por mim que me observo…ao longe.
Na minha partitura não cabe a minha alma,
Ré do que escolhi ser
Numa decomposição
Que sendo minha sou eu
Que a componho numa sinfonia
Desequilibrada
Sem mi, nem si, só o sol
Inclemente que me apascenta embrutecido
Na pedra gasta por outros ossos meus
Que a besta lá do alto vai despenhando
Na busca do tutano que já sugou

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Um dia, quem sabe...


Num trajecto
Que ainda não inventei,
Num caminho
Cujo inicio não vislumbro
Nas sendas
Orvalhadas da memória
Que não pressinto,
De uma noite
Que começa ao nascer do sol,
Vejo na lua prateada
O deambular furtivo
Do que se faz anunciado
Sem aparecer
Na espera
Interminável da esperança
Que é a certeza do aziago dia
Das madrugadas de sol poente.
E será o reencontro da minha negação,
O botão que encontra a rosa,
O dia que se funde na noite,
Predador tornado presa.
O sal das minhas lágrimas
Adoça-me o limbo da espera,
Um dia, quem sabe para lá de mim…

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Não me apetece escrever


Eu vou escrever qualquer coisa,
Olho o espaço em branco,
Vazio de mim,
Da minha verve que não escorre.
Tinjo-lhe a alva expressão
Maculando-o de um sangue exaurido
De tanto correr em veias secas
De sentimentos amarfanhados
Que caem inertes no lixo.
Numa sanha destruidora
Puxo de outra folha
Numa raiva que só o branco
Sem mácula me sugere,
As minhas falanges crispadas
Seguram o gume da minha pena
Numa fúria assassina
Que quase rompe a folha
Vertendo-lhe a sanha
De um sentimento sem nome,
O ódio de um amor desconhecido,
Um rasgo de pungência em vómito excretor,
Na alucinação perfeita entre o irreal e a utopia.
Utópica a pena que me corre
Na perseguição do irreal verbo,
Cujo sentido desconheço,
Debruçado na varanda da minha loucura
Em abismos cujo fim não lhes vejo.

Como seria bom atingir o fim,
Desabar em pino vertical
E mergulhar no branco alvo
Cuja limpidez o meu ego escurece
Para lá do que consigo vislumbrar
Num negro perfeito de branco sem igual,
Rodeado do mais puro som de um silêncio impar.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009


Na tua varanda e eu na minha
Tínhamos uma realidade paralela
Da minha via-se a tua, da tua a minha
Sem que os nossos pais dessem por ela

Recitava-te um poema na hora do terço
Quando à Senhora se rezava a novena
Via teu olhar gaiato, enrubescido
Perdia-me de amores nessa face morena

Encontrávamos pontos de fuga
Roubávamos beijos às escondidas
Não quero nunca esquecer
Essas promessas que julgas perdidas

Na tua varanda e eu na minha
Fazíamos bolinhas de sabão
Soprávamos com uma palhinha
Criávamos essa terna ilusão

De a minha e a tua bolinha
Se encontrarem lá no alto
Fundirem-se numa só
E o teu coração tomar de assalto

Nessa bolinha tudo nos era permitido,
Dizer-te que te amo e ouvir tua voz
Responder-me que sim, que o infinito
Nos pertencerá sempre a nós.

Não rebentou nunca essa bolinha
Multicolor, cor do céu e do nosso amor
Sobe ainda para lá da nossa vontade
Cor de esperança e de ardor.


Tanto, tanto...

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

o sal do teu (a)mar


Via ao longe o mar
Que me falava de amores
De azul intenso, verde a perder de vista
E outras cores

Dizia-me o mar
Do amor que trazia e guardava
Um profundo como seu ventre de sal
Outro que na praia desaguava

Era de carinho e ternura que me segredava
Com meus olhos no seu horizonte
Sentado naquela praia de mar cantante
Como se fosse a cristalina fonte

Da saudade que nos une
Dos remos que damos á esperança
De vogar assim no mar
E abraçar-nos em serena temperança.

Nesse dia quente não falamos mais de carinho
Nem saudade, mesclada pelo marítimo ar
Eu e tu olhos nos olhos decidimos para sempre
Conjugar o verbo amar

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

essa palavra...ternura


Essa palavra, carinhosa e meiga
Presente na saudade, a ternura!
Não será ela a semente
Entranhada na pura fundura?

Porque o sentimento é universal
Quando de ternura falamos
Poderá ser de amor, carinho
Quando a saudade atravessamos

É de ternura que se faz um filho
É de ternura que cubro o teu corpo
De ternura te talho assim
Mármore cinzelada a escopro

Sem ternura não existia o que nos une
Pálpebras de sal banhadas em orgasmos
Em êxtase que quero sentir, e sinto
De cada vez que falamos

De cada vez que adivinho a tua voz
Ao meu ouvido, em pura candura
É de mim, de ti, de nós
Que falas em quente ternura

domingo, 6 de setembro de 2009

Luto pela tua ressurreição


Sempre te procurei desde o primeiro vagido,
Quando rompi o ventre da minha mãe
Sem sequer te conhecer,
Sem saber o teu nome
Era por ti que clamava.
Em cada canto que te dedicam
Invejo-lhes a inspiração,
Em cada poema invejo-lhe a rima
Soa-me a diferente tudo o que te repetem
E sinto sempre insuficientes
Os elogios que te proferem.
Vejo em cada traço que te desenham
As curvas que te compõem
Em cada letra do teu nome
É o infinito que aponta o ocaso do teu horizonte
Tão difícil de alcançar como em te preservar
És a gaiata de riso aberto, de mão em mão,
Infiel mas leal
És de todos sem ser propriedade de ninguém.
Por ti Liberdade farei todos os sacrifícios
Menos chorar a tua morte.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

O teu lenço branco


Não sei que mais te diga,
Nas margens do sofrimento
Escrevi-te o poema
Que desdenhas sem lamento

Dás-me um sorriso amarfanhado
No desdém em que o compões
Sugas-me o instinto e a inspiração
E nem vês como me pões

Subi o escadario do Sameiro
Em penitência rezei ao bom Jesus
Na Sta Luzia roguei em promessa
De um olhar teu que me desse a luz

De nada valeram minhas promessas
Escorreu do alto monte a minha oração
Lágrima vertida na urze e na giesta
Dos verdes pinheiros em gestação.

Cai o Outono na minh’alma
Anuncia-se em mim o frio inverno
Sonho com o dia que me dirás
Que acabou enfim o meu inferno

Guardo ainda o lenço branco
Que me deixaste nessa tarde
Quando na romaria olhei teu rosto
E no meu coração fizeste alarde

Penso hoje que mo deste
Com um firme propósito
O de enxugar as lágrimas
De que se tornou depósito.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

a foto que me deste


Lembro o teu jeito gaiato
No dia que finalmente te apareci
Na foto que me deste
O sorriso mais lindo que vi

Em fato de banho escuro
Que realça a tua pele clara
Mal esconde as formas que desejo
A tua flor que adivinho rara

Queria ser a água que te banha
Nessa foto à beira mar
O sol que te ilumina
O calor que vem a tua pele beijar.

Lembro o beijo que me deste
Quando parti naquela manhã
O que me disseste ao ouvido
Não foi uma promessa vã.

Espero a hora de descobrir
Os fiapos de pele que só adivinho
A ternura e a macieza que escondem
Que me vão pôr em redemoinho

O banco...


O banco era em ferro fundido, com uma velhice orgulhosa que datava da época vitoriana. De assento corrido virado ao mar na marginal aquecida por um sol tímido. Ocupado por dois ciclistas extenuados das voltas contínuas e repetidas diariamente, o banco testemunhava a entrada da manhã quando o sol dilatava as ripas de madeira mil vezes substituídas e agora ocupadas por duas velhas entretidas no croché e na maledicência da filha da vizinha que marcara casamento á pressa. O sol ia mudando a sua posição na elipse diária carregando agora o sobrolho numas nuvens ameaçadoras que o insistiam em seguir na curva que estabelecia.
O banco tinha nas pontas um espaldar para os braços em ferro dobrado à força de calor e martelada formando um semicírculo perfeito onde o velho pescador descansava os braços da labuta de tantos anos que já lhe perdera a conta. Via as ondas a bater no molhe e semicerrava os olhos como que lhe adivinhando a violência de encontro ao leme imaginário que segurava nos braços dormentes.
Na tarde exausta que caía enfim o banco ficava de frente para o farol que guiava os marinheiros desde que existia ali e sentia a luz que ia e vinha no movimento perpétuo com que o afinaram. Era o traje de gala para a noite que se adivinhava onde o banco desta feita fazia de leito aos namorados, anfitrião de juras de amor que o velho ali mesmo tinha feito. Queria agora o velho reunir-se de novo ao objecto das suas juras no céu estrelado. O banco ficaria ali como sempre testemunhando as arribas das traineiras no mar encapelado que lhe salpicava os bordos debruçados sobre o molhe.
Não enferruja o velho banco, nem com os salpicos da água, nem com a chuva que por vezes o torturava, nem com o suor da refrega dos amantes, nem com as lágrimas das mulheres que perdiam os homens nessa tarefa inglória de arribar.

Elegia da loucura


Eu não sou eu,
Nem sou o outro,
Nem sequer sou…
Sou algo de ininteligível
Entre mim e o outro,
Farrapo diáfano mesclado
De uma teia emaranhada
Na trama que teço
De um outro que não eu.
Rompo a cervical
Em movimentos alucinados
Para lá e para cá
De mim, para o outro
Num batucar nervoso
Que me rompe as falanges
No batuque do outro,
Ponte de intermédio
De margens opostas
De costas voltadas,
Interstícios rebuscados
Que fedem em defecações estagnadas
Num devir mictório
Que reluz amarelo na noite urinária
Que não ordinária
Por uma ordem desordenada.
Rasto de sangue e puz
Que água benta não lava
Excretada por cus papais abençoados

Eu não sou eu…
Nem sou o outro
Sou grão burilado
Pela poeira soprada
Da boca do outro
Vela enfunada pelos ventos alísios
Anticiclone manso
Do cabrão que não sou eu
Suco gástrico e aziático
De uma modorra pestilenta
Que se me esgota pelos apêndices
Por todos…
Sem saber … nem vir.
Só lá…escorre-me pelos cantos da boca
De lábios que não são meus.
Do outro?
E porque lhe sinto a amarga pestilência?