Tínhamos 3 anos, eu magro e ossudo o cabelo cortado em forma de tigela ao “estilo Beatle” como se dizia na altura, ela tinha aquele ar bonito a que não era alheio um estilo gorduchinho que as meninas nessa idade ostentam e lhes dá aquele ar trigueiro e roliço, característico da mulher minhota embora ainda fosse menina.
Eu cheguei numa tarde Verão vindo não se sabe de onde para ocupar um apartamento que o meu pai tinha alugado naquele bloco estranho. Nunca tinha visto uma casa assim, em cima de outras casas à qual só se chegava subindo longos lances de escadas e sem um quintal. Fui logo conhecer os vizinhos e dei de caras com um senhor que se prontificou a ser meu tio para sempre já que eu achava que não tinha família suficiente, ficou a ser o meu tio Lino e por inerência a esposa ficou a tia Fatinha. Ainda hoje são meus tios. Andava numa lufa-lufa escada acima, escada abaixo a ajudar nas mudanças e dei de caras com a Maria do bloco ao lado, da minha idade, da minha altura, num vestido singelo de algodão acima do joelho que naqueles tempos andavam sempre sujos por força dos jogos na terra. Olhou-me num ar tímido por debaixo da repa de cabelo que lhe cobria a testa, eu dei-lhe um sorriso e ela devolveu-mo:
- Como te chamas? – Perguntou-me
- Zé Alberto, e tu? – Retorqui numa voz sumida
- Eu sou a Maria, moro no prédio do lado, vieste morar para aqui? E onde moravas? Quem são os teus pais? Olha, sabes brincar ao eixo? E à macaca, sabes? Podemos brincar os dois se quiseres, sempre que quiseres. Tens algum elástico? Também gosto de jogar ao elástico mas eu não tenho nenhum, roubei um à minha mãe e ela bateu-me. A tua mãe bate-te se lhe fores buscar um elástico?
A Maria ficou assim a metralhar palavras umas atrás de outras e eu a olhar para ela embevecido, esqueci-me das mudanças e fui jogar não me lembro o quê, mas sei que apanhei a primeira surra na nova casa nesse mesmo dia por descurar os meus deveres de ajuda nas lides da mudança, nesse tempo a colher de pau tocava afinada e na falta dela o chinelo sempre à mão de semear ou da perna que estivesse mais a jeito.
Era a minha companhia de todos os dias, palradeira e risonha, atrevida e gaiata, mesmo quando não queria a companhia dela a Maria impunha-se não ligando aos meus ralhetes de que ela era menina e não tinha nada que andar sempre atrás de mim, que fosse brincar às casinhas com as outras meninas, mas ela não ia, queria sempre ficar comigo, então eu sentava-me na berma do passeio com os cotovelos apoiados nos joelhos, as palmas da mão suportando o queixo, ela sentava-se ao meu lado, na mesma posição, encostava a anca à minha, procurava sempre assim um contacto físico, eu coçava o nariz esticando um dedo, e ela fazia o mesmo, levantava o sobrolho e ela fazia o mesmo, esticava uma perna, ela esticava a dela, começando a dar ares de gozo travestido por um sorriso inocente, eu dava-lhe uma cotovelada, ela devolvia e desatava a correr a rir e eu atrás dela a rir também e a chamar-lhe nomes que se chamava na altura entre miúdos. Hoje acho que ainda ecoam esses risos nos penedos dos montes que se avistavam na altura e que agora a construção desenfreada se encarregou de encobrir e até destruir.
Aos 5 anos subitamente fui para Angola com a família, ficamos anos sem nos vermos. Quando voltei numa tarde de verão também, para a mesma casa cujo aluguer o meu pai nunca cancelou, estava a olhar a fachada do prédio tentando refrescar a minha memória quando senti uma presença ao lado, uma mão que pegava a minha, e me disse “olá”, desta vez não falou como da outra, deitou o olhar tímido ao chão sempre a segurar-me a mão, parecia que vestia o mesmo vestido desta vez às flores sob um fundo azul-marinho, sem alças, onde despontava já um pequeno decote,um cabelo liso, quase negro ao longo das costas e os olhos… Os olhos tinham aquela indefinição entre o castanho e o negro emoldurados por umas pestanas longas e espessas. Eu disse “olá” também e pensei na quão mentirosa era a afirmação de que o amor juvenil é uma ilusão. Ficamos assim calados de mão dada, anca com anca sentados na berma do passeio.
Eu cheguei numa tarde Verão vindo não se sabe de onde para ocupar um apartamento que o meu pai tinha alugado naquele bloco estranho. Nunca tinha visto uma casa assim, em cima de outras casas à qual só se chegava subindo longos lances de escadas e sem um quintal. Fui logo conhecer os vizinhos e dei de caras com um senhor que se prontificou a ser meu tio para sempre já que eu achava que não tinha família suficiente, ficou a ser o meu tio Lino e por inerência a esposa ficou a tia Fatinha. Ainda hoje são meus tios. Andava numa lufa-lufa escada acima, escada abaixo a ajudar nas mudanças e dei de caras com a Maria do bloco ao lado, da minha idade, da minha altura, num vestido singelo de algodão acima do joelho que naqueles tempos andavam sempre sujos por força dos jogos na terra. Olhou-me num ar tímido por debaixo da repa de cabelo que lhe cobria a testa, eu dei-lhe um sorriso e ela devolveu-mo:
- Como te chamas? – Perguntou-me
- Zé Alberto, e tu? – Retorqui numa voz sumida
- Eu sou a Maria, moro no prédio do lado, vieste morar para aqui? E onde moravas? Quem são os teus pais? Olha, sabes brincar ao eixo? E à macaca, sabes? Podemos brincar os dois se quiseres, sempre que quiseres. Tens algum elástico? Também gosto de jogar ao elástico mas eu não tenho nenhum, roubei um à minha mãe e ela bateu-me. A tua mãe bate-te se lhe fores buscar um elástico?
A Maria ficou assim a metralhar palavras umas atrás de outras e eu a olhar para ela embevecido, esqueci-me das mudanças e fui jogar não me lembro o quê, mas sei que apanhei a primeira surra na nova casa nesse mesmo dia por descurar os meus deveres de ajuda nas lides da mudança, nesse tempo a colher de pau tocava afinada e na falta dela o chinelo sempre à mão de semear ou da perna que estivesse mais a jeito.
Era a minha companhia de todos os dias, palradeira e risonha, atrevida e gaiata, mesmo quando não queria a companhia dela a Maria impunha-se não ligando aos meus ralhetes de que ela era menina e não tinha nada que andar sempre atrás de mim, que fosse brincar às casinhas com as outras meninas, mas ela não ia, queria sempre ficar comigo, então eu sentava-me na berma do passeio com os cotovelos apoiados nos joelhos, as palmas da mão suportando o queixo, ela sentava-se ao meu lado, na mesma posição, encostava a anca à minha, procurava sempre assim um contacto físico, eu coçava o nariz esticando um dedo, e ela fazia o mesmo, levantava o sobrolho e ela fazia o mesmo, esticava uma perna, ela esticava a dela, começando a dar ares de gozo travestido por um sorriso inocente, eu dava-lhe uma cotovelada, ela devolvia e desatava a correr a rir e eu atrás dela a rir também e a chamar-lhe nomes que se chamava na altura entre miúdos. Hoje acho que ainda ecoam esses risos nos penedos dos montes que se avistavam na altura e que agora a construção desenfreada se encarregou de encobrir e até destruir.
Aos 5 anos subitamente fui para Angola com a família, ficamos anos sem nos vermos. Quando voltei numa tarde de verão também, para a mesma casa cujo aluguer o meu pai nunca cancelou, estava a olhar a fachada do prédio tentando refrescar a minha memória quando senti uma presença ao lado, uma mão que pegava a minha, e me disse “olá”, desta vez não falou como da outra, deitou o olhar tímido ao chão sempre a segurar-me a mão, parecia que vestia o mesmo vestido desta vez às flores sob um fundo azul-marinho, sem alças, onde despontava já um pequeno decote,um cabelo liso, quase negro ao longo das costas e os olhos… Os olhos tinham aquela indefinição entre o castanho e o negro emoldurados por umas pestanas longas e espessas. Eu disse “olá” também e pensei na quão mentirosa era a afirmação de que o amor juvenil é uma ilusão. Ficamos assim calados de mão dada, anca com anca sentados na berma do passeio.
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